Ao som de música africana entoada pelos empregados, saltámos do jipe à entrada do Thorn Tree River Lodge, na Zâmbia. A visão de água, ao fundo, num dia de inferno onde as temperaturas marcam bem mais de 40 graus, é a imagem do paraíso. O primeiro desejo é dar um mergulho naquele rio salpicado de pequenas ilhas, mas o Zambeze é povoado por hipopótamos e crocodilos, por isso não convém… Aliás, se dúvidas existissem, uma placa perto da nossa tenda com
o aviso “cuidado com os hipopótamos e com os crocodilos”, esclarece-nos. Pensámos até que seria uma precaução exagerada, mas logo na primeira noite, a seguir ao jantar, demos de caras com três hipopótamos a poucos metros da nossa porta…Valeu-me a tranquilidade do Nuno que é tu cá, tu lá, com qualquer animal selvagem.
O quarto é excelente e a cama com vista para o rio, talvez a maior onde já dormi, forrada a lençóis brancos de algodão macio, convida a um dolce fare niente no ar condicionado, durante as horas de maior calor. Nem a piscina do terraço nos convence a abrir as portadas de vidro quando o sol está alto. O calor é mesmo abrasador nesta época do ano, em que o inverno espreita em Portugal.
O pequeno almoço à la carte no restaurante do Lodge é bem variado, mas a nossa escolha recai quase sempre no mesmo: uma omelete de cogumelos e um sumo de laranja. Um bom começo para uma experiência que cedo pela manhã se revela emocionante: caminhar na selva ao lado de uma dezena de rinocerontes. Diz o ditado que há sempre uma primeira vez para tudo e África comprova-o a cada regresso. Não escondo a emoção sentida naquela meia hora em plena savana, lado a lado com enormes animais pré-históricos. A cada dia são mortos 8 rinocerontes pelo valor do seu corno, o que faz com que seja uma espécie seriamente ameaçada.
O nosso guia tem nome de personagem da Guerra das Estrelas, Olby One, e foi há uns anos atacado por duas leoas no Kruger Park. Conta que levava no seu Land Rover uma família americana para uma tarde de safari. Quando uma das crianças precisou de fazer xixi, saiu do carro perto de um Térmita gigante, olhou em volta e achou que estava tudo tranquilo. Deu ordem à criança para descer e aliviar a bexiga atrás do pequeno monte erguido por formigas. De repente, avistaram duas leoas. Olby One pediu ao miúdo para não se mexer, mas o pânico não o deixou escutar as ordens do guia e, desobedecendo, desatou a correr para o carro. O movimento brusco chamou a atenção das leoas que investiram contra o guia, numa cena digna de documentário da National Geographic e não de filme de ficção científica.
Antes de atirar sobre uma delas, Olby travou uma luta insana com a outra que lhe deixou várias cicatrizes no pescoço. Uma marca para a vida e, convenhamos, uma história imprópria quando se está, a pé em plena savana, a poucos metros de rinocerontes, ou no meio de um rio junto a hipopótamos ciosos do seu território.
Os finais de dia no Thorn Tree são passados num barco com destino a pores do sol inesquecíveis . Ao lado de uma manada de elefantes de vários tamanhos e idades a brincar alegremente na água, brindamos (com vinho branco ou gin tónico) a África e agradecemos as cores que inundam a savana quando a estrela rei anuncia, exuberante, a sua retirada.
De volta ao Lodge cruzamo-nos com quatro pescadores do Zambeze que apanham peixes enormes a bordo dos seus mocorós, pequenas canoas esculpidas em troncos de árvores, à noite, quando os hipopótamos estão fora de água.
É incrivel vê-los a remar, dois a dois, quais campeões olímpicos que enfrentam perigos imprevisíveis, a rasgar águas com a delicadeza própria de um povo esguio. É com a memória dos dois mocorós, rio acima, à procura de alimento para as suas gentes, que adormeço feliz para acordar sobressaltada, com uns estrondos ensurdecedores, na madrugada seguinte. Um grande grupo de macacos saltava animadamente em cima da nossa tenda para depois, cansado de tanto exercício, abancar à nossa porta. Talvez na esperança que nos distraíssemos e a deixássemos aberta, de maneira a poder servir-se do que lhe aprouvesse no nosso quarto…
Mas as peripécias com animais no lodge não ficam por aqui.
À tarde decidimos dar um mergulho na piscina e, debruçados na borda, vislumbramos, numa espécie de ilha em frente à nossa tenda, dois elefantes a comerem árvores animadamente enquanto, devagar, caminham em direção ao Thorn Tree. Ficamos ali, incrédulos com a audácia daquelas duas bisarmas que, em pouco tempo resolvem, sem cerimónia, saciar a sede na piscina da tenda ao nosso lado. Provavelmente sentem, com razão, que cabem naquelas camas imensas e, por uma vez na vida, sonham com a paz de uma noite cinco estrelas. Mas, para má sorte dos mamutes, três guardas expeditos acabam rapidamente com o seu delírio e afastam-os do Lodge.
Não fossem os problemas de eletricidade, que por estes dias teima em ir abaixo a cada cinco minutos, e o facto de só haver Wi-Fi na Library, a nossa estada teria sido, apesar dos sustos com os intrusos, imaculada. O serviço é maravilhoso, a comida boa e a paisagem de cortar a respiração. Contas feitas, os prós dão uma verdadeira abada aos contras, o que me faz aconselhar o Thorn Tree River Lodge a quem se quer aventurar pela Zâmbia, ali bem perto de Victoria Falls.
FG
*Viagem organizada por Bexclusive, da Across