
Sempre que oiço falar no Rovos Rail, no Blue Train, no Oriente Express, no Transiberiano, o meu coração bate mais rápido. Como antes de um encontro com alguém muito especial ou de um programa para o qual temos altas expectativas. Essas carruagens de luxo que rolam por carris de África, da Ásia ou da Europa, despertam em mim sentimentos infantis, sonhos de várias cores. Talvez por uma das boas memórias que carrego da infância ser a das viagens de comboio com a minha avó, uma ou duas vezes por ano, rumo à Pocariça, uma aldeia a poucos quilómetros de Cantanhede, onde no Verão e na Páscoa a minha família paterna se juntava nas várias casas e quintas que por lá tinha.
Lembro-me de dormir mal nas vésperas dessas viagens. A manhã demorava a chegar e, com ela, a hora de embarcar no comboio que ligava Lisboa a Coimbra. Vibrava com aquelas cabines com uma janela enorme e, sobretudo, com a carruagem restaurante decorada em tons bordeaux. Recordo-me bem dos candeeeiros pequeninos que, em cima das mesas, iluminavam os dias mais tristes ou as passagens nos túneis…
Quando recebi o amável convite do hotel Intercontinental Porto para passar um dia a bordo do The Presidential estava longe de pensar que à emoção de andar no histórico comboio que transportou Reis, Presidentes e Papas, juntava, também, uma viagem a uma parte importante e feliz da minha infância. Só por isso já tinha valido a pena. Mas havia mais. Muito mais.
Chegámos por volta das 11h à estação de S. Bento e tivemos a sorte de encontar logo Gonçalo Castel-Branco, o “dono” não do comboio azul, mas da ideia brilhante de o usar para passeios gastronómicos, servidos por diversos Chefs, na sua maioria, galardoados com estrelas Michelin, num dos percusos mais bonitos de Portugal: as margens do rio Douro. Segundo ele, foi numa visita ao Museu Nacional Ferroviário, no Entrocamento, que a sua filha mais velha, na inocência dos 11 anos, ao ver o comboio composto por carruagens construidas em 1890, lhe terá dito: “pai, porque não fazes destas carruagens um restaurante?”
Entre esse dia e a manhã da primeira partida do The Presidential da Estação de S. Bento, no Porto, passaram meses de trabalho árduo que culminaram na merecida vitória, em 2017, do mais importante prémio de turismo internacional: o de melhor evento público do mundo.
A experiência gastronómica começa, ainda nas cabines (restauradas com todos os pormenores originais), minutos depois do comboio partir, com uns snacks acompanhados por um vinho do porto branco seco.
A partir daí nunca mais se para de comer! (É o único senão deste passeio: a garantia de, no dia seguinte, a balança acusar, pelo menos, mais um quilo…)
Antes de chegarmos às margens do Douro, deixamos a nossa cabine e atravessamos a sala de piano, recheada de livros de arte cedidos pelo Museu Serralves, embalados por uma melodia de fundo, selecionada especificamente pela Casa da Música para este passeio. Tudo foi pensado e concebido para que, na medida do possível, entremos no ambiente de um tempo longínquo.
As mesas são, no mínimo, de 4 pessoas, o que faz com que se viajarmos a dois (como foi o meu caso), tenhamos mais duas pessoas sentadas a nosso lado. Diz o Gonçalo, com graça, que aquelas mesas eram as redes sociais da época…
Com o ínicio do almoço, no meu dia inaugurado com uma sopa fria de ervilhas, requeijão e broa de Avintes, da autoria, como tudo o resto, dos Chefs António Galapito e Bruno Caseiro, chega também o verde das águas do Douro às janelas do comboio, paisagem abençoada que nos acompanha até à paragem, de cerca de duas horas, na quinta do Vesúvio.
A descida a pé (ou para quem necessite, de jipe) até à quinta do Vesúvio, nome dado por Dª Antónia Ferreirinha, depois de uma lua-de-mel em Nápoles, faz-se após a sobremesa e quando não há espaço para mais nada, a não ser para um charuto ou para uma prova de vinhos… Eu, que já tinha a “minha conta” de vinho e que deixei de fumar há mais de um ano, dediquei-me apenas à contemplação de um lugar mágico, onde o silêncio permite que se escutem sons de que já não temos memória.
A paragem nesta fabulosa quinta no Vale do Douro, dura perto de duas horas até que o apito da locomotiva do The Presidential nos lembra que é tempo de regressar. Não, ainda, à realidade, mas aos luxos do comboio azul para um final de tarde memorável ao som do piano e ao sabor de chá, de scones, de queijos e de enchidos…
Sempre com o Douro, rio que Miguel Torga descreve como “um excesso de natureza”, à vista.
Obrigada.
FG
Aqui fica o programa de um dia que custa €500 por pessoa.
10h30 Check-in na Estação de S.Bento e entrada no comboio
11h00 Partida
12h00 Distribuição de lugares nas mesas das carruagens restaurante
12h30 Almoço gourmet e harmonização de vinhos
15h00 Chegada à Quinta do Vesúvio e prova de Portos
17h00 Partida da estação do Vesúvio
17h30 Animação a bordo, chá e scones, queijos, enchidos e conservas
20h30 Chegada à estação de São Bento